segunda-feira, 31 de maio de 2010

A personalidade de Weber - por Julien Freund

Quando, em nossos dias, este conjunto de reflexões de Weber entrou no domínio comum da filosofia, tem-se dificuldade de imaginar as resistências duras e amargas que ele pode encontrar em vida. Teve ele, por certo alunos e pretensos confidentes entusiastas (muitos dos quais infelizmente fizeram do weberianismo uma espécie de carreira nos Estados Unidos), mas a bem dizer não teve discípulos. Seu pensamento continua controvertido, como ele o desejou. Em carta a Gottl-Ottllienfeld, de 18 de abril de 1906, ele pediu a este que polemizasse tão rudemente quanto possível contra suas próprias concepções, desde que parecessem contestáveis. Weber continua um inspirador; nunca foi nem quis ser um mestre. Também não existe uma escola weberiana, como certas escolas marxistas, comtianas ou mesmo durkheimianas.
Ocorreu mesmo que, por diversas ocasiões, Weber se viu completamente isolado, abandonado por aqueles que se diziam seus melhores amigos. não há dúvida de que sua atitude política e particulamente sua hostilidade às aventuras do imperador Guilherme II tem relação com seu isolamento. Mas também aconteceu que no terreno puramente científico da discussão da noção de neutralidade axiológica ele se viu abandonado por todo mundo, por exemplo, quando de certas sessões memoráveis da Associação para a Política Social.
Algumas de suas atitudes públicas provocaram o tumulto dos estudantes nacionalistas, que chegaram a ocupar à força a sala de aula, para impedirem de falar. Lendo a devotada bibliogradia de sua esposa Marianne Weber, só se consegue fazer uma fraca ideia das explosões, das revoltas e dos escândalos que ele pode provocar
. Os que o conheceram se referem a ele como um vulcão em permanente erupção, ao mesmo tempo que ele conservava em seu íntimo um tranquilidade que mais exarcerbava seus adversários. Era o homem que sabia sempre manter-se afastado, apesar de uma curiosidade sempre aguda, tanto pelo menor trabalho de erudição a respeito de um insignificante aspecto da China antiga, como pelas questões de mais viva atualidade. Foi antes de tudo um sábio. Um ou outra vez foi tentado, sem êxito, pela carreira política. Esta lhe interessava humanamente demias para constituir sua vocação.
Pode-se perguntar: que teria ele feito se tivesse seguido este último caminho? Sem ser despropositada, esta pergunta só oferece pouco interesse, pois o que sabemos de seu caráter não nos deixa pensar que ele não via nesse rumo o seu futuro pessoal. Com efeito, assim como em sua função universitária sempre se recusou a ser um mestre cercada de discípulos - preferia muito mas as conversações de uma sociedade aberta - sempre teve medo da eventualiadade de ser obrigado a recrutar um aparelho humano: partidários. Ora, como ele próprio reconheceu, essa é uma condição fundamental de eficácia política. Em tudo e sob todas as circunstâncias, foi ele um ser completamente independente, o que explica em parte certas atitudes e declarações que podem parecer contraditórias. Por isso desejou que atirassem no primeiro funcionário polonês que entrasse em Dantzig e pediu a execução do conde Von Arco, que tinha assassinado Kurt Eisner, chefe do governo revolucionário da Baviera. Detestava Ludendorf e, no entanto, estava pronto a defendê-lo se o atacassem injustamente. Combatia a exclusão dos anarquistas, dos socialistas, e dos judeus das cátedras universitárias e só desprezo tinha as iniciativas revolucionárias, no dia seguinte ao da derrota de 1918. Ao mesmo tempo que tomava partido em favor dos estudantes pacifistas, preconizava o "chauvinismo" no caso de vir a paz a ser pura e simplesmente imposta pelos aliados.
No plano científico, pode-se indagar por que Weber, que passava por ateu, tanto se ocupou de sociologia religiosa. Esta, efetivamente, constitui três alentados volumes de suas obras completas, sem contar o projeto de acréscimo de um quarto tomo dedicado ao islamismo, e os capítulos de Economia e Sociedade, que tratam da mesma questão. Trata-se, pois, afinal de contas, da parte mais importante de seu trabalho sociológico. Sem abrir aqui um debate sobre o sentimento religioso de Weber, é preciso de novo insistir na liberdade de espírito, aliada ao escrúpulo do sábio, que se recusa a deixar transparecer em sua obra de sociólogo as tomadas de posição subjetivas do homem. O fato é que as estruturas sociais, econômicas e políticas sempre estiveram impregnadas das convicções religiosas dos povos, e continuam a estar. Seria, pois, mutilar a sociologia o fato de niglegenciar este aspecto capital de todo estudo das sociedades; mas seria um atentado à objetividade do espírito científico combater a religião em nome da ciência.
Além do mais, como a religião é uma das antenas da sensibilidade humana, seria uma traição ao fenômeno da cultura o fato de mostrar indiferença para com ela. Sem dúvida Weber não teria renegado a bela fórmula paradoxal de Miguel de Unamuno: Só Deus é ateu.

Extraído do livro:

Sociologia de Max Weber de Julien Freund, páginas 29, 30 e 31.

Referência:

FREUND, JULIEN. Sociologia de Max Weber / Julien Freund; tradução de Luis Claudio de Castro; revisão de Paulo Guimarães do Couto. - 5ª ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006

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